ROMANCE E HISTÓRIA, “PLOT” E “PLANTATION[1]

Osmundo Pinho
17 min readSep 1, 2024

Sylvia Wynter

Tradução: Osmundo Pinho (UFRB)

Primeiro, vamos definir nossos termos. O que, em nosso contexto, é romance? O que, em nosso contexto, é história? Qual é o nosso contexto? George Beckford, um economista jamaicano, escreve:

Na América, o lócus do sistema de “plantation” é o Caribe. De fato, essa região é geralmente considerada a área clássica de “Plantation”. Tanto que antropólogos sociais descreveram a região como uma esfera cultural, rotulada Plantation América.”

A área caribenha é a área de “plantation” clássica, já que muitas de suas unidades foram “plantadas” com pessoas, não para formar sociedades, mas para dar continuidade a plantações, cujo objetivo era produzir culturas únicas para o mercado. Ou seja, as sociedades de “plantation” do Caribe surgiram como um complemento à produção, à mercadoria monocultural — a cana-de-açúcar — que elas produzem. Como Eric Williams demonstrou, nossas sociedades foram tanto causa quanto efeito do surgimento da economia de mercado: um surgimento que marcou uma mudança de tal magnitude histórica mundial, que todos nós, sem exceção, ainda estamos “encantados”, aprisionados, deformados e esquizofrênicos em sua realidade enfeitiçada.

Agora, a forma do romance em si, de acordo com Goldman, surgiu com a extensão e o domínio da economia de mercado, e “parece-nos ser, com efeito, a transposição no plano literário, da vida cotidiana dentro de uma sociedade individualista, nascida da produção para o mercado”. A forma do romance e nossas sociedades são filhos gêmeos dos mesmos pais. Não é de se admirar que Miguel Angel Asturias, um romancista de “plantation” de uma República de “Plantation”, a Guatemala, escreveu em desespero incrédulo, após a derrubada apoiada pela CIA do governo legalmente eleito de Arbenz: “Essas coisas que acontecem?… É melhor chamá-las de ficção!” História, então, essas coisas que acontecem, são, no contexto da “plantation”, em si, ficção; uma ficção escrita, dominada, controlada por forças externas a si mesma. Fica claro então, que é somente quando a sociedade, ou elementos da sociedade se levantam em rebelião contra seus autores e manipuladores externos que nossa ficção prolongada se torna um fato temporário. O romance “New Day” mostra não uma, mas duas dessas colisões históricas e as conecta, sugerindo na ficção, sua conexão factual[2].

A forma épica, observa Lukács, não conhece questionamentos. O herói está essencialmente em unidade com os valores de seu mundo. Com a forma romance, a ruptura do herói com os, agora, inautênticos valores do seu mundo se inicia. A forma do romance é, em essência, um ponto de interrogação.

Em “New Day”, o segundo e mais jovem herói, o herói que podemos chamar de “herói positivo”, diferente de Davie, o primeiro, “herói problemático”, faz ao seu tio-avô, o narrador, uma pergunta que é crucial para o romance e para a nossa discussão.

Diga-me, tio John. Você falou das coisas antigas, mas nunca me deu uma opinião. Fomos ensinados em nossas aulas de história que Gordon e Bogle eram demônios, enquanto Eyre era um santo que só fazia o que fazia porque era necessário. Você conhecia Gordon e Bogle. Eles eram tão ruins quanto eram pintados?”

A resposta do velho é evasiva e ambivalente. É parte integrante da ambivalência evasiva da “ideologia” do gradualismo, a ideologia do movimento mais idealista da classe média, sintetizado no Partido Nacional do Povo, um partido que surgiu após as revoltas do povo jamaicano em 1938. Na verdade, está claro que o próprio Garth é um retrato mal disfarçado de Norman Washington Manley[3]. Do lado negativo, alguém poderia descartar esse movimento como Ken Post faz, chamando-o meramente de “reação da classe média” contra a ameaça de tomada de poder por forças populares variadas e múltiplas. Mas no contexto de sociedades de “plantation” como a nossa, os termos usuais não podem ser aplicados sem exame.

Para avaliar a resposta do velho, precisamos examinar o significado básico da questão. A questão que lhe é feita é um fato histórico. No entanto, pela maneira como Garth faz a pergunta, vemos que a história ensinada nas escolas é uma história baseada em um mito maniqueísta. Bogle e Gordon são do diabo. Eyre é um santo. Esta era a versão da história ensinada pelas forças que sustentavam a “plantation” e as forças que sustentavam a “plantation” eram as forças do mercado. Essas forças, as forças do emporium, (empório) (para usar o trocadilho de Asturias) são as forças do império — o Império. As forças emporialistas e as forças imperialistas são uma.

Bogle, Gordon e Eyre são personalidades, figuras presas em um choque e conflito que nem sequer são primariamente de sua autoria. Eles estão presos em uma colisão e um choque que era inerente e construído, e ainda é, entre o sistema de “plantation”, um sistema, possuído e dominado por forças externas, e o que chamaremos de sistema do “plot”, o sistema indígena, autóctone. Miguel Angel Asturias define esse choque como a luta entre, “…o camponês indígena que aceita que o milho deva ser semeado apenas como alimento, e o crioulo[4] que o semeia como um negócio, queimando florestas de árvores preciosas, empobrecendo a terra para enriquecer a si mesmo.”

Basicamente, então, uma luta entre o homem indígena ainda envolvido em um mundo do que Marx chama de valor de uso, onde um produto é feito em resposta a uma necessidade humana; e o mundo da economia de mercado com sua estrutura de valor de troca, onde o produto é feito em resposta à sua lucratividade no mercado. No mundo do valor de uso, as necessidades humanas dominam o produto. No mundo do valor de troca, o produto, a coisa feita, domina, manipula, a necessidade humana.

Assim, como Goldmann argumenta, a forma do romance é, “entre todas as formas literárias, a mais imediata e diretamente ligada às estruturas econômicas no sentido estrito do termo, à estrutura de troca e produção para o mercado”. Mas porque o escritor, o artista, está pela própria natureza do seu ofício ligado à estrutura das afirmações de valor de uso, sendo o impulso da criação assim dirigido pelas necessidades humanas, ele permaneceu como um resto (hangover) na nova forma de sociedade. A forma do romance reflete sua postura crítica e de oposição a um processo de alienação, que começou a fragmentar a própria comunidade humana, sem a qual o escritor não tem propósito, nem material de origem, nem visão de mundo, nem público. A forma do romance, um produto da economia de mercado, sua estrutura de troca, seu indivíduo liberado para realizar sua individualidade pelos valores ‘liberais’ do individualismo, ligados à própria existência do sistema marcado. No entanto, em vez de expressar os valores da sociedade de mercado, desenvolve-se e expande-se como uma forma de resistência a essa mesma sociedade de mercado. Na verdade, a forma do romance e o romance são a crítica do próprio processo histórico que levou a tais alturas a sua realização.

“House for Mr. Biswas”[5], embora celebre o talento de seu autor e lhe conceda um lugar reconhecido entre o mundo da elite, é, no entanto, a profunda acusação para um mundo carente no qual, para realizar seu ser, Biswas deve se alienar de uma comunidade impossível, distorcida por circunstâncias fantasmagóricas, para se abrigar em uma casa mal construída (Jerry Built House); e um “Prefect Car[6]. O indivíduo, sonhado na economia de mercado liberal, como sendo agora totalmente soberano e livre, naufraga pelos desenvolvimentos posteriores dessa estrutura que proíbe sua realização; e o deixa encolhido em uma casa, escapando da civilização; um Robinson Crusoé agarrado à sua ilha para sobreviver através da fuga do mundo exterior. Sua vitória, como a nossa, é de Pirro.

O ‘herói problemático’ é o corolário do romance problemático. Este herói problemático é exemplificado em Davie; e até certo ponto, em seu pai. Pois, como Okwonko em “Things Fall Apart” (1958), de Chinua Achebe, o velho pai Campbell, agarrado à sua crença na ordem de Deus e na inevitabilidade da justiça britânica, é abatido por soldados britânicos, defendendo a economia de mercado, ou seja, a “plantation”, contra o desafio dos camponeses e dos trabalhadores agroproletários. Para tornar o mundo seguro para a economia de mercado, famílias são desfeitas (como em “Weep Not, Child”(1964), de James Ngugi [Ngũgĩ wa Thiong’o]) e, de fato, em “New Day”. Centenas são abatidas. As técnicas de horror que serão levadas à perfeição sob Hitler e Stalin contra os europeus, na própria Europa, são aperfeiçoadas no empório-império, unidades de “plantation”. Vic Reid em New Day descreve o fato histórico real do Coronel Hobbs, um homem gentil, que cultivava rosas no quartel em Newcastle, fazendo com que nove “rebeldes” se enforcassem em uma capela em Fonthill, ordenando que outros treze cavassem uma trincheira e, em seguida, mandando os soldados atirarem neles na vala comum. Hobbs teve um problema para encontrar cal viva suficiente para descartar os corpos de forma higiênica. Ele também teve outro problema. Com medo de ser ridicularizado por sua inclinação natural à clemência para com os rebeldes, ele sentiu que tinha que igualar e superar em terror seus colegas oficiais. Ele cometeu suicídio depois.

Em “Weep Not, Child”, de James Ngugi [Ngũgĩ wa Thiong’o], o herói confronta e é torturado pelo fazendeiro-colonizador inglês que cultiva pyrethium para o mercado.

A reação dos plantadores em 1895 à morte de um punhado de gerentes da classe colono-crioula que são mortos por Bogle e seus seguidores é de indignação, não apenas com o pensamento de derramamento de sangue, mas com a ameaça à “plantation”, que era para eles o próprio cerne e sede da estrutura de seus valores “civilizados”. Não é acidental que H.G. de Lisser, um escritor colono-crioulo que lidou com 1885 em um romance chamado “Revenge”, veja a batalha entre as forças da “plantation” e as forças de Bogle como uma batalha entre a luz e a escuridão. Os seguidores de Bogles observam ansiosamente por um sinal do céu, após uma cerimônia ritual do tipo Cecil B. DeMille[7]. Joyce, a heroína da “plantation” inglesa, também espreita ansiosamente, enquanto observa “uma grande massa de nuvens negras… movendo-se lentamente pelo céu… Parecia que a massa escura estava ganhando terreno polegada por polegada no espaço brilhante (ou seja, iluminado pela lua)… estavam ameaçando-o com uma inevitável condenação de obliteração; era como um enorme monstro informe avançando lentamente, mas com passos implacáveis ​​em direção a uma coisa bela que ele havia condenado à extinção…

O simbolismo é bem claro. Esta passagem ilustra o que Ramchand, parafraseando Fanon, chamou de “a consciência aterrorizada” dos brancos. Estou tentando mudar do ponto de vista da raça, que é apenas um fator na equação, para o ponto de vista que Astúrias define. Os seguidores de Bogle são homens que semeiam predominantemente para comer, secundariamente para o mercado. Assim, o valor de uso determina sua estrutura de valores. Joyce pertence ao sistema de “plantation”, a estrutura de troca; e “a coisa bela” cuja extinção ela teme é o complexo de valores pelos quais ela vive; valores que têm seu aspecto positivo; por exemplo o herói mostra um senso de responsabilidade, consideração etc.; mas valores também que reforçam sua posição dominante e exploradora.

Os seguidores de Bogle, de acordo com deLisser, comemoram intensamente quando as nuvens negras cobrem a lua. É um sinal de que eles serão ajudados por Deus para expurgar a maldade da terra: e a mãe do herói crioulo branco não tem dúvidas de que é a raça dela, sua classe e sua estrutura de valores que devem ser expurgadas da terra. Tanto no romance de deLisser quanto no de Vic Reid, o confronto básico é entre a “plantation” e o “plot” e a estrutura de valores que cada um representa. Sugiro que o conflito e o choque que ocorreram entre dois grupos definidos nesta conferência[8], entre aqueles que defendem a “autonomia” do artista “civilizado” altamente educado; e aqueles que defendem as reivindicações da comunidade e do povo, tem pouco a ver com divisão racial e tudo a ver com quem, como Joyce, defende os valores da pPlantation” e aqueles que, como Bogle, representam os valores do “plot”. […] Pois se a história da sociedade caribenha é a de uma relação dual entre “plantation” e “plot”, os dois polos que se originam em um único processo histórico, a ambivalência entre os dois tem sido e é a característica distintiva da resposta caribenha. Essa ambivalência é ao mesmo tempo a causa raiz da nossa alienação; e a possibilidade da nossa salvação.

Para explicar brevemente a dicotomia “Plantation”-”Plot”, somos compelidos a fazer generalizações.

1. Antes da experiência ocidental única que começou com a descoberta do Novo Mundo, todas as sociedades da humanidade existiam no que Senghor descreve como um processo oscilatório dual no qual o Homem se adapta à Natureza e adapta a Natureza às suas próprias necessidades.

2. Mas com a descoberta do Novo Mundo e suas vastas terras exploráveis, esse processo que foi denominado de “redução do Homem ao Trabalho e da Natureza a Terra” teve seu início em larga escala. A partir desse momento, o Homem Ocidental se viu como o “senhor e possuidor da Natureza”. A transformação unilateral da Natureza começou. Como o homem é parte da Natureza, um processo de desumanização e alienação foi posto em prática. Em sociedades antigas com valores tradicionais baseados na velha relação, a resistência poderia ser colocada contra o domínio do novo sistema desumanizador. Em sociedades novas como a nossa, criadas para o mercado, parecia a princípio não haver possibilidade de tal tradição

3. Mas desde cedo, os plantadores deram aos escravos “plots” de terra para cultivar alimentos para se alimentarem a fim de maximizar os lucros. Sugerimos que esse sistema de “plot” era, como a forma do romance em termos literários, o foco da resistência ao sistema de mercado e aos valores de mercado.

4. Para os camponeses africanos transplantados para o “plot”, toda a estrutura de valores que havia sido criada pelas sociedades tradicionais da África foi recriada, a terra permaneceu a Terra — e a Terra era uma deusa; o homem usava a terra para se alimentar; e para oferecer os primeiros frutos à Terra; seu funeral era a reunião mística com a terra. Por causa desse conceito tradicional, a ordem social permaneceu primária. Em torno do cultivo do inhame, de alimento para a sobrevivência, ele criou no “plot” uma cultura popular — a base de uma ordem social — em 300 anos.

Essa cultura recriou valores tradicionais — valores de uso. Essa cultura popular se tornou uma fonte de resistência cultural de guerrilha ao sistema de “plantation”.

Mas como ele trabalhava na “plantation” e era de fato o trabalho, a terra e o capital, ele era ambivalente entre os dois. Após a abolição da escravidão, o escravo que se tornou camponês cultivava plantações tanto para se alimentar quanto para vender no mercado. A “plantation”, dependente do trabalho em massa, estava determinada a usar sua propriedade da terra para obrigá-lo a voltar ao trabalho; e ao seu papel na estrutura do valor de troca. A “plantation” era a superestrutura da civilização; e o “plot” eram as raízes da cultura[9]. Mas havia uma ruptura entre eles, a superestrutura não estava relacionada à sua base, não respondia às necessidades da base, mas sim às demandas dos acionistas externos e do mercado metropolitano. A “plantation” era administrada pela classe gestora, a classe colona. Essa classe e a classe indígena trabalhadora se enfrentavam através de barricadas que são embutidas no próprio sistema que as criou. É por isso que o conflito em 1865 e o conflito em 1938 e os futuros conflitos são inevitáveis, a menos que o próprio sistema seja transformado.

Em 1865, nos registros históricos, os rebeldes, ao matarem Charles Price, um empreiteiro negro, gritaram de volta à sua alegação de que ele era negro: “Você é negro, mas tem um coração branco!”. Vários médicos brancos foram autorizados a escapar, ilesos. Há, como Barrington Moore aponta, uma base lógica e racional para a resistência camponesa à economia de mercado. “Um coração branco” descreve apropriadamente o homem a quem Miguel Angel Asturias chama de “o homem que semeia para o lucro”. O homem envolvido em uma estrutura de valor de troca — que somos todos nós. Nosso lugar no confronto é amplamente determinado por aceitarmos ou rejeitarmos essa estrutura.

Nossa apreciação e reavaliação do folk não é, portanto, a mitologia folclórica heroica de um Hitler. Pois aceitamos a cultura folk como um ponto fora do sistema, onde os valores tradicionais podem nos dar um foco de crítica contra a realidade impossível na qual estamos enredados. Mas não há questão de voltar a uma sociedade, um padrão folk cuja estrutura já foi minada pela economia de mercado generalizada. Robert Serumaga mostra isso em “Return to the Shadows”. Joe fugindo de mais uma tomada do exército, vai para casa com sua mãe, para se amarrar de volta ao cordão umbilical. Mas sua mãe foi estuprada; e seus primos jovens estuprados e assassinados por soldados que são os representantes da grande força central que o capitalismo monopolista, com ou sem intervenção estatal, deve, pela lógica de sua existência, ter à sua disposição, para esmagar qualquer dissidência de seu poder totalitário. O sistema de “plantation” que, sob a retórica liberal do Livre Comércio, a retórica que libertou os escravos, compensou os senhores e libertou os escravos em um mundo dominado por relações de mercado, para se defenderem sozinhos, foi o primeiro esboço do capitalismo monopolista. George William Gordon, sugerimos, negociando, comprando terras, especulando, possuindo um jornal, agindo como um negociante de produtos, falando veementemente na Câmara da Assembleia, reivindicando os direitos da Magna Carta como um filho livre da Jamaica, incorporou a retórica liberal e a levou a sério. Quando ele se tornou uma ameaça ao domínio empório/império, ele foi enforcado pela realidade de um sistema monopolista totalitário. O clamor na Inglaterra foi feito por elementos liberais que podiam na Inglaterra desfrutar da liberdade oferecida pela política liberal de livre comércio. Mas Carlyle viu claramente que as plantações foram feitas para negros preguiçosos aprenderem o evangelho do trabalho sob o estímulo do chicote. Ninguém discordou quando o Governo da Colônia da Coroa foi imposto, e a Assembleia descartada. A Assembleia, como Gordon, era uma peça de retórica liberal que a realidade bruta do sistema não podia mais suportar. Bogle e seus seguidores aprenderam uma lição; da mesma forma que os camponeses indianos que se revoltaram em Bengala na década de 1860 contra a necessidade de cultivar índigo como uma cultura comercial para os ingleses, tiveram que aprender uma lição. O mundo tinha que ser mantido seguro para a economia de mercado.

A história, para ajudar nessa tarefa, teve que ser distorcida. O mito da história foi usado pela “plantation” para manter seu poder seguro. Era necessário que Gordon e Bogle fossem pintados de “preto”; e como “a lembrança de coisas passadas pode dar origem a insights perigosos”, grande parte da história foi suprimida.

Eles não sabem o que vimos, pois não foi encontrado nenhum lugar em seus livros de história inglesa para o incêndio que nos queimou em Sessenta e Cinco.”

Ele (Campbell) conta um pouco disso ao seu sobrinho-neto Garth; e essa consciência do passado, e do papel de seu avô, Davie, nele, faz com que Garth se veja como o novo e dedicado líder de elite das massas. Mas sua apreensão histórica será diferente da deles. Pois ele ainda pergunta: “Eles eram tão ruins quanto foram pintados?” A história que lhe foi ensinada é a história da “plantation”, a história oficial da superestrutura; a única história que foi escrita.

Mas “plot” também tem sua própria história. Uma história secreta expressa em canções folclóricas “War down a Monamds, the Queen never know, War O War O War O”, e o velho general anglo-indiano Jackson caçando rebeldes em uma canção folclórica trágico-cômica:

Oh General Jackson,

Oh General Jackson, você mata todos os homens negros.

Na cerimônia de culto kumina[10], Bogle aparece por meio de um iniciado como um deus ancestral. Quando perguntado em 1965 sobre Bogle, o povo de Morant Bay respondeu sobre Bogle e Gordon:

É Justiça que eles estavam buscando! Justiça para o povo”.

Novamente, como Moore aponta, há um profundo senso de justiça camponesa que é separado do conceito abstrato dos direitos de propriedade. A justiça da comunidade. A justiça do camponês é baseada nas necessidades das pessoas que formam a comunidade. Dificilmente há um aspecto em que não haja essa dicotomia de atitudes. Nenhum aspecto em que as atitudes e valores da “estrutura de plantation” crioula-colonial” dominante não sejam usados ​​em uma relação essencialmente exploradora com os valores indígenas do “plot”.

Os conflitos de 1965 e 1938 são episódios em um continuum histórico. É significativo que deLisser veja 1865 como um episódio isolado contado através das relações pessoais de três personagens brancos — o herói, a heroína e o vilão que se junta ao negro “contra sua raça e classe” para ganhar Joyce, mas que morre protegendo-a de um “horror inominável” no final. O conflito real é banido e suprimido, embora deLisser sinta o desconforto contínuo em sua sociedade e escreva seu livro como um aviso às nuvens escuras para não cobrirem a lua.

Reid, por outro lado, envolvido no lançamento de 1938 e no crescimento do sentimento nacional, escreveu seu romance para restaurar o passado escrito a um povo que tinha apenas o passado oral; e à classe média que pensava, como Naipaul, que nada foi criado nas Índias Ocidentais e, portanto, não havia história. Reid queria profetizar o futuro colocando seu presente no contexto de um passado quase épico. Na primeira parte de seu livro, quando ele lida com o herói problemático Davie que falha (ele vai para Morant Cays e cria uma comunidade, que é desfeita quando seu filho estabelece escalas salariais para responder ao mercado do transporte de bananas). Mas Davie morreu antes disso, tendo perdido Lucillle Dubois, sua esposa, por meio de sua nova obsessão. Sua busca então se mostra em vão; e finalmente inautêntica, como em todos os grandes romances. Ele morre em um furacão, preso sob o peso de uma árvore.

A segunda parte do livro com seu herói ‘positivo’ falha porque Garth é obrigado a suportar o peso de uma expectativa que nunca pode ser realizada. Enquanto a primeira parte do livro é paralela e padroniza a estrutura de sua sociedade; e reflete sua falha em satisfazer as necessidades humanas, a segunda parte falha ao ignorar o fato de que uma mudança na superestrutura da “plantation”, uma nova Constituição, até mesmo a Independência, foram mudanças que deixaram o sistema básico intocado; e que apenas prolongaram o confronto inevitável e intrínseco entre os “plantation” e o “plot”; entre a cidade que é a expressão comercial da “plantation” e suas massas marginais, desvinculadas do “plot”; este é o conflito e suas massas marginais, desvinculadas do “plot” este é o conflito e o choque que vimos refletidos aqui nesta conferência, em diferentes níveis de consciência, entre aqueles que justificam e defendem o sistema; e aqueles que o desafiam.

[1] Publicado originalmente em “Savacou” — 5, jun 1971, pp 95–102. Entendi ser mais adequado manter em inglês “plot” e “plantation”. No primeiro caso, a autora parece buscar um jogo de palavras ou tensionamento semântico entre os dois sentidos de “plot”, “roteiro” ou “trama” e “lote (de terra)”. Melhor, pequeno lote de terra para cultivo de subsistência. No caso de “plantation”, trata-se de um conceito bastante aderido a experiência colonial e ao escravismo nas Américas. Alguns, como Jacob Gorender, traduziram por “plantagem”. Entendo, entretanto, que o específico do argumento da autora sugere que melhor manter no original. Além do que com a tradução perderíamos a aliteração. Sobre esse ensaio em particular ver Kaneesha Cherelle Parsard, “Siphon, or What Was the Plot?Revisiting Sylvia Wynter’s ‘‘Novel and History, Plot and Plantation’’. Representations (2023) 162 (1): 56–64.https://doi.org/10.1525/rep.2023.162.5.56. . Mais sobre a obra de Wynter em Katherine McKittrick (Org),“Sylvia Wynter : on being human as praxis”. Duke University Press. 2015.

[2] “New Day” é um romance de 1949, primeiro livro do jamaicano V. S. Reid. O romance trata da história política da Jamaica tal como vista por um Campbell, o personagem principal, em sua infância e velhice.

[3] De família “mixed-race” Norman Washington Manley foi primeiro-ministro da Jamaica entre 1959 e 1962.

[4] Por “crioulo” aqui devemos entender o branco-mestiço, ou local, em oposição aos brancos metropolitanos.

[5]House for Mr. Biswas” é um romance de 1961 do autor trinidadiano V. S. Naipaul.

[6] Referência para um modelo de carro ultrapassado

[7] Cineasta estadunidense, diretor de “Os Dez Mandamentos” (1956).

[8] Trata-se da reunião da Association for Commonwealth Literature and Language Studies (ACLALS) realizada em Kingston, Jamaica em1971.

[9] O Custódio Barão van Ketelhadt, uma das principais figuras de 1865, defendia as necessidades de açúcar em detrimento da necessidade de beterraba, alegando que a propriedade açucareira era o centro da civilização da ilha.

[10] Modalidade de religião afro-jamaicana.

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